Nuno Ornelas Martins, professor auxiliar com agregação no Departamento de Economia e Gestão, da Universidade dos Açores, 34 anos, acaba de lançar um livro intitulado “The Cambridge Revival of Political Economy”, editado pela Routledge, e que será apresentado na Universidade de Cambridge a 2 de Dezembro.
Qual o objectivo do livro? Qual a sua principal reflexão?
O livro aborda a escola de Cambridge de Economia, mais em particular os autores dessa escola que procuraram recuperar o pensamento económico clássico. A grande diferença entre pensamento clássico e o pensamento actual resulta do facto de na teoria clássica a economia ser estudada como o processo de produção e distribuição do excedente, enquanto na teoria actual a economia é estudada em termos da optimização de recursos escassos. Na teoria clássica o conceito fundamental é o excedente, na teoria actual o conceito fundamental é o seu oposto, a escassez.
Na teoria actual, assume-se que o agente económico procura maximizar a sua utilidade (definida por uma função matemática), sendo os recursos por definição escassos dado que as preferências dos consumidores são infinitas. Assume-se também que as remunerações dos factores se dão de acordo com a sua escassez, medida em termos marginais. Portanto salários e juros (ou lucros) são determinados de acordo com a escassez relativa de trabalho e capital.
Na teoria clássica, o comportamento económico não era descrito em termos matemáticos e exactos como uma maximização da utilidade, mas antes em termos de normas institucionais e hábitos, que levam a um dado consumo habitual por parte daqueles que contribuem para a reprodução do processo produtivo. Na concepção clássica, os salários devem ser suficientes para garantir esse consumo habitual, mantendo a procura efectiva. A parte da produção que não é necessária para assegurar esse consumo habitual era vista como um excedente, que originava as rendas e lucros (ou juros). Para os clássicos, a economia floresce quando esse excedente é usado em actividades produtivas, e entra em crise quando esse excedente é usado em especulação e luxo excessivo.
Numa altura em que grande parte dos países europeus vivem problemas económicos, baseados essencialmente numa perspetiva de que há “escassez” de recursos, a visão que recupera da “teoria do excedente” poderia ajudar a encontrar melhores caminhos para ultrapassar a crise?
O livro aborda a escola de Cambridge de Economia, mais em particular os autores dessa escola que procuraram recuperar o pensamento económico clássico. A grande diferença entre pensamento clássico e o pensamento actual resulta do facto de na teoria clássica a economia ser estudada como o processo de produção e distribuição do excedente, enquanto na teoria actual a economia é estudada em termos da optimização de recursos escassos. Na teoria clássica o conceito fundamental é o excedente, na teoria actual o conceito fundamental é o seu oposto, a escassez.
Na teoria actual, assume-se que o agente económico procura maximizar a sua utilidade (definida por uma função matemática), sendo os recursos por definição escassos dado que as preferências dos consumidores são infinitas. Assume-se também que as remunerações dos factores se dão de acordo com a sua escassez, medida em termos marginais. Portanto salários e juros (ou lucros) são determinados de acordo com a escassez relativa de trabalho e capital.
Na teoria clássica, o comportamento económico não era descrito em termos matemáticos e exactos como uma maximização da utilidade, mas antes em termos de normas institucionais e hábitos, que levam a um dado consumo habitual por parte daqueles que contribuem para a reprodução do processo produtivo. Na concepção clássica, os salários devem ser suficientes para garantir esse consumo habitual, mantendo a procura efectiva. A parte da produção que não é necessária para assegurar esse consumo habitual era vista como um excedente, que originava as rendas e lucros (ou juros). Para os clássicos, a economia floresce quando esse excedente é usado em actividades produtivas, e entra em crise quando esse excedente é usado em especulação e luxo excessivo.
Numa altura em que grande parte dos países europeus vivem problemas económicos, baseados essencialmente numa perspetiva de que há “escassez” de recursos, a visão que recupera da “teoria do excedente” poderia ajudar a encontrar melhores caminhos para ultrapassar a crise?
Sim. Na perspectiva da teoria económica actual, baseada no conceito de escassez, a conclusão é que os juros deverão ser elevados, porque há escassez de capital, e os salários deverão descer, porque há escassez de emprego (isto é, desemprego).
Na perspectiva clássica, por outro lado, os salários deverão ser suficientes para garantir o consumo habitual que assegura a procura efectiva, portanto não deverão descer em tempo de crise. Para cada empresa individual, poderia compensar baixar os salários mas apenas se as outras empresas não fizessem o mesmo. Mas se todas as empresas e o Estado baixam os salários, há uma quebra global da procura e todos perdem, como explicava Joan Robinson, umas das autoras da escola de Cambridge abordada no livro. Até porque as exportações não são suficientes para assegurar a procura quando as políticas de contracção da procura são seguidas a nível internacional. Portanto as reduções de salário não são solução, devido aos seus efeitos macroeconómicos, que consistem na redução da procura.
A teoria actual é construída pressupondo uma economia de pleno emprego, em que há escassez de recursos que estariam supostamente a ser plenamente utilizados, e casos de crise e desemprego são considerados excepções. No entanto, a situação actual é uma situação de crise e desemprego estrutural, não um desequilíbrio momentâneo, e a teoria clássica explica muito melhor a situação actual do que a teoria económica actual, pois a teoria clássica não pressupõe escassez num contexto de pleno emprego que na realidade não existe.
Além disso, como na teoria clássica o juro resulta do excedente, não é possível manter juros altos quando esse excedente tem de ser reduzido em tempo de crise, e portanto a economia não pode suportar esses juros elevados, sendo necessária (e aliás perfeitamente possível) uma actuação dos bancos centrais e regulação financeira que permita uma redução dos juros. Pode-se perguntar: mas porquê reduzir o excedente em vez de reduzir os salários? A resposta é: porque os salários são rendimento que reentra na economia sob a forma de consumo, enquanto o excedente tende a não ser reinvestido na economia em tempo de crise, e é rendimento que se perde num contexto de crise.
Aliás, o juro é considerado uma remuneração do risco incorrido por quem empresta capital, enquanto o salário é uma remuneração do trabalho. Logo, no momento em que os riscos se concretizam, deveriam ser assumidos por quem supostamente estava a correr riscos e a ser remunerado por isso com juros, não por quem continua a fazer o mesmo trabalho, e portanto deveria continuar a receber o mesmo salário. Senão, gera-se o incentivo para voltar a haver financiamento de contractos ruinosos para o Estado com agentes privados, na crença de que o contribuinte estará sempre cá para cobrir os riscos com o seu salário, ou com o dinheiro da sua educação, saúde e segurança social (que serve para manter juros, lucros e rendas, isto é, a apropriação do excedente, mesmo em circunstâncias de crise em que essa apropriação do excedente não tem justificação).
O conceito de excedente ajuda também a perceber como as políticas europeias têm beneficiado alguns países, que acumulam excedentes comerciais, e levando outros a défices comerciais (ou a ter de reduzir o consumo para reduzir as importações).
Qualquer observador do mundo contemporâneo percebe que este é um mundo em que há abundância e excedentes, e não escassez. Portanto, o problema central é o modo como os recursos estão distribuídos, o modo como o excedente é distribuído e utilizado. Mesmo nos países mais pobres, os casos de fome surgem não pela escassez de alimentos, mas pela má distribuição dos alimentos e recursos, como o Professor Amartya Sen (um autor que tenta também recuperar a teoria clássica) demonstrou num livro publicado em 1981.
Na teoria clássica, não há leis matemáticas exactas que determinam a distribuição num contexto de escassez inevitável, como na teoria actual. Na teoria clássica, a distribuição é uma questão institucional e política, que está aberta a várias soluções.
Em suma, o problema que enfrentamos não é a inevitabilidade da escassez, mas a má distribuição do excedente, que tem sido agravada pelas políticas seguidas. Enquanto a teoria económica continuar a ser construída em torno da noção de escassez, e não em torno da noção de excedente, será muito mais difícil perceber estes factos.
Investigar e reflectir sobre o mundo a partir duma ilha no meio do Atlântico é uma inspiração adicional?
Sim, não há sítio melhor para acabar a escrita de um livro.
Que conselhos daria aos jovens estudantes sobre os desafios da investigação?
Aliás, o juro é considerado uma remuneração do risco incorrido por quem empresta capital, enquanto o salário é uma remuneração do trabalho. Logo, no momento em que os riscos se concretizam, deveriam ser assumidos por quem supostamente estava a correr riscos e a ser remunerado por isso com juros, não por quem continua a fazer o mesmo trabalho, e portanto deveria continuar a receber o mesmo salário. Senão, gera-se o incentivo para voltar a haver financiamento de contractos ruinosos para o Estado com agentes privados, na crença de que o contribuinte estará sempre cá para cobrir os riscos com o seu salário, ou com o dinheiro da sua educação, saúde e segurança social (que serve para manter juros, lucros e rendas, isto é, a apropriação do excedente, mesmo em circunstâncias de crise em que essa apropriação do excedente não tem justificação).
O conceito de excedente ajuda também a perceber como as políticas europeias têm beneficiado alguns países, que acumulam excedentes comerciais, e levando outros a défices comerciais (ou a ter de reduzir o consumo para reduzir as importações).
Qualquer observador do mundo contemporâneo percebe que este é um mundo em que há abundância e excedentes, e não escassez. Portanto, o problema central é o modo como os recursos estão distribuídos, o modo como o excedente é distribuído e utilizado. Mesmo nos países mais pobres, os casos de fome surgem não pela escassez de alimentos, mas pela má distribuição dos alimentos e recursos, como o Professor Amartya Sen (um autor que tenta também recuperar a teoria clássica) demonstrou num livro publicado em 1981.
Na teoria clássica, não há leis matemáticas exactas que determinam a distribuição num contexto de escassez inevitável, como na teoria actual. Na teoria clássica, a distribuição é uma questão institucional e política, que está aberta a várias soluções.
Em suma, o problema que enfrentamos não é a inevitabilidade da escassez, mas a má distribuição do excedente, que tem sido agravada pelas políticas seguidas. Enquanto a teoria económica continuar a ser construída em torno da noção de escassez, e não em torno da noção de excedente, será muito mais difícil perceber estes factos.
Investigar e reflectir sobre o mundo a partir duma ilha no meio do Atlântico é uma inspiração adicional?
Sim, não há sítio melhor para acabar a escrita de um livro.
Que conselhos daria aos jovens estudantes sobre os desafios da investigação?
Que estejam preparados para usarem o que aprendem sempre como um ponto de partida para descobrirem novas ideias, e não como um ponto de chegada. É mais fácil fazer uma carreira baseada na aceitação acrítica do que aprendemos, mas sem pensamento crítico não há verdadeira investigação.
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