2013/06/01

Meta - refletir o Dia Mundial da Criança





No século XXI, refletir sobre o Dia Mundial da Criança pressupõe que se questione e clarifique o conceito de criança. Atualmente concebe-se a criança por aquilo que ela já é e que a faz ser criança, como um adulto em miniatura ávida de formação, como ser humano vulnerável, carente de proteção e de conhecimento para ser quem deverá ser?

Não obstante uma aceção mais ou menos romântica da noção de criança, perspetivamos que esta deve ser concebida como “pessoa”, no sentido ético do termo, em permanente processo de desenvolvimento.

A criança como “pessoa” é, à luz do que concebia Kant na obra Metafísica dos Costumes, um “fim em si mesmo”, um ser humano com dignidade própria, com um valor intrínseco. Ela não pode nem deve ser entendida como meio de subsistência, mão-de-obra barata e capaz de produzir trabalhos, cuja minúcia exigem a pequenez e a delicadeza de umas mãos infantis para serem perfeitos.


A “criança operária” foi uma realidade do século XIX, uma consequência visível da revolução industrial, que não pode persistir na sociedade do conhecimento e da informação atual, que se pretende ética e axiologicamente informada. 

Desde meados do século XX que se assiste – um pouco por todo o Ocidente, a nível filosófico e educacional – a um enfático retorno ao humanismo, ao aumento da preocupação com o Homem na sua dimensão subjetiva. As atrocidades cometidas contra a humanidade durante a 2ª Guerra Mundial conduziram à reflexão e ao reconhecimento do Homem como um ser livre e um projeto a realizar.

É neste contexto pós-guerra de grande ênfase humanista – em que filosófica e educacionalmente se reconhece o Homem como um ser singular, livre, que constrói a sua identidade ao longo do processo da sua vida no diálogo com e pelos outros – que se assiste à comemoração do primeiro Dia Mundial da Criança.

Em 1950, a Federação Democrática Internacional da Mulheres propôs às Nações Unidas que criasse um dia dedicado às crianças de todo o mundo. Subjacente a este pedido estava a conceção da criança como “pessoa” em desenvolvimento, como um ser com valor em si mesmo, que tem o direito de realizar a sua potência de ser, sendo gnosiológica e moralmente conscientes, autónomos, membros de uma determinada comunidade, onde constrói a sua identidade sociocultural e progressivamente se responsabiliza por participar ativamente na reconstrução cultural da sua sociedade.


A criança é um cidadão. A afirmação da criança como cidadão não se reporta apenas à dimensão administrativa-política, que a consigna como um membro de um determinado Estado, a quem este confere um número de identificação. A atribuição da cidadania à criança refere-se ao reconhecimento que a sociedade faz desta como seu membro ativo, cuja identidade resulta da unicidade dinâmica do diálogo e da interação entre a dimensão singular e social da “pessoa” que cada criança é.

Para que este processo dinâmico de construção de identidade se opere é crucial que sejam criadas condições que garantam o bem-estar físico, psicológico da criança e o seu desenvolvimento holístico. A educação assume neste âmbito um papel fundamental, na medida em que se afirma como um meio de garantir a igualdade de oportunidades a todas as crianças, favorecendo-lhes experiências formativas e pedagógicas que lhes permitem desenvolver as suas competências pessoais e sociais e aceder ao património axiológico e cultural que circunstancia a sua identidade.

Formar a criança como cidadão não consiste apenas em transmitir-lhe conhecimentos que ela não sabe, trata-se de prepará-la para ser uma “pessoa” consistente, autónoma, capaz de contribuir na construção do seu conhecimento. O processo educativo que favorece a autonomia da criança é aquele que a reconhece como um ser singular, mas também como um ser vivido, para quem a integração do conhecimento se constitui uma mais-valia, pois lhe permitirá conhecer, problematizar e refletir sobre a realidade. 

Cada criança é um livro de curiosidade em branco, em busca de um sentido para a vida. Para atribuição desse sentido contribui os afetos, os cuidados, os valores que os outros (sociedade, pais educadores/professores) lhe dedicam, ensinam e a fazem experienciar.

O Dia Mundial da Criança alerta cada um de nós para a responsabilidade que temos em admitir a criança como um ser singular, potencialmente cidadão livre, que tem o direito de ser para se reconhecer membro ativo e responsável de uma sociedade em permanente mudança, que se quer sustentável e promotora de vida para as gerações vindouras. Este dia comemorativo apela-nos ainda para a necessidade de agirmos em função de uma sociedade global sem “crianças operárias” e sujeitas à opressão.


Josélia Ribeiro da Fonseca
Professora Auxiliar
Departamento de Ciências da Educação
Universidade dos Açores
 

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