2014/03/21

Dia Mundial da Floresta e da Arvore - "AS ÁRVORES NA IDENTIDADE DA PAISAGEM DOS AÇORES"

"AS ÁRVORES NA IDENTIDADE DA PAISAGEM DOS AÇORES"
 
As árvores com história da cidade património mundial
de Angra do Heroísmo (foto Eduardo Dias)
As árvores são símbolo da vida. Demos-lhes esse galardão porque constituem os seres vivos mais importantes da biosfera. São elas que modelam o planeta e permitem a existência de milhões de espécies. Mas esse símbolo global, que hoje gostamos de comemorar no Dia da Árvore, foi, num passado recente em que o homem dependia mais directamente dos recursos naturais, de significado muito mais profundo. A maioria das civilizações possuem a árvore entre os seus símbolos mais nobres e serviam para construír uma identidade colectiva, para criar a unidade social e para projectar valores.

As árvores com expressão cultural das quintas
 da laranja de São Carlos (foto Eduardo Dias)
Por isso, as árvores, para além de recurso natural, de construtoras de ecossistemas e de símbolos societais, também forneceram milhares de serviços à humanidade, na medicina, na alimentação, na condimentação, na indústria, na despoluição das cidades, na regularização do ciclo da água, na conservação da biodiversidade e, com isso, permitiram o erguer de culturas (como as mediterrânicas) e a construção de sonhos. Algumas são símbolos mais conhecidos, como os louros (de César), as palmas (santificação), a laranjeira (pureza) ou os ciprestes (eternidade). Outras tem simbologias mais resguardadas, de outras civilizações ancestrais, como as camélias (rosas do Japão), a criptoméria (longevidade), as araucárias (realeza), a acácia (qualidades morais), os bambus (força e equilíbrio).

Magnólias e palmeiras, árvores de forte
 simbolismo cristão, São Carlos (foto Eduardo Dias)

Por isso, as árvores que se destacam nas paisagens urbanas expressam a nossa trans-oceanidade, a concentração de culturas, do período das grandes descobertas portuguesas, no qual a Terceira foi o centro do Atlântico e local estratégico no domínio dos valores. Neste período, as plantas eram o centro de economia – pimenta, canela, madeiras, açúcar – e, por isso, novos recursos. A procura e recolha de árvores por todo o mundo tornou-se, não só um motivo de estratégia económica mas também uma exploração de novos recursos. Nessa interpretação, percebemos que as espécies mais simbólicas das culturas ultramarinas eram, muitas vezes, as de maior potencial. Cultivadas nos Açores, forraram a nossa paisagem de marcos simbólicos dos povos por onde passávamos, desde as Canárias à Nova Zelândia, da Índia ao Japão. Nos nossos jardins ainda perduram um elevado número de árvores que perpetuam esta nossa memória colectiva: jacarandá (América do Sul), pau-brasil (Brasil), palmeiras (Canárias, Oceânia, Américas), roseira (árvore, América do Norte), magnólias (América), incenseiro (Nova Zelândia), criptoméria (do Japão), cicas (África do Sul), ginkgo (China, Japão) e tantas outras.

Flor da Magnólia roxa (foto Eduardo Dias)
Marcaram-nos, desde então, com uma admiração pelo exótico, como sinónimo de riqueza, cultura, elitismo, com que fomos preenchendo os nossos espaços públicos, numa matriz histórico-cultural e que se tornaram marcos da nossa identidade, homenagem ao que somos e construímos, simbolismo da cultura açoriana.

Num tempo do domínio da máquina, que eliminou a distância e permitiu que a Natureza, produtora e criadora do nosso mundo, esteja cada vez mais longe do dia-a-dia de cada um de nós, fomos esquecendo o quanto dependemos das árvores, o seu valor simbólico, que elas nos faziam recordar todos os dias quando as olhávamos. Perdemos a noção de quanto são essenciais para a nossa existência, deixámos de as conhecer pelos seus nomes.

Gingeira-brava, uma das árvores endémicas dos Açores
mais raras, em floração (foto Eduardo Dias)
No futuro que agora começamos a construir, expressam-se as novas interpretações do mundo, numa sociedade cada vez mais universal, sensível às questões da natureza, por sentirem que é da relação íntima e respeitadora para com esta que se geram os factores essenciais para a qualidade do ambiente, mas também para uma identidade própria. Uma progressiva onda de respeito pela natureza e de valorização do património natural tem criado uma nova consciência do ambiente que nos rodeia e dos valores naturais, mas também estéticos e culturais.

As árvores dominantes da laurissilva açoriana, louros,
azevinhos e sanguinhos (foto Eduardo Dias)
Nesse sentido, uma invasão da cidade pelos elementos endémicos, tão pouco queridos até há pouco tempo, porque considerados banais (para quem as via todos os dias), tem ganho o seu espaço e começa a ser apreciado como uma aliança entre o campo e a cidade, entre a urbanidade e a natureza, elementos fortes na construção actual da identidade colectiva.

Flor do louro (foto Eduardo Dias)
Contrariamente ao que se considerava, algumas das árvores endémicas (muitas vezes, designadas por arbustos, tal é o desconhecimento que ainda temos delas), possuem um alto valor estético e um crescimento suficientemente rápido para poderem competir com elementos seleccionados da flora universal. Falamos de algumas das mais raras árvores do mundo e, por isso, alia-se ao valor patrimonial o valor específico e singular.

A laurissilva açoriana, a mãe de todas as
florestas endémicas (foto Eduardo Dias)
Neste contexto, torna-se apropriado falar da ginjeira-brava, considerada pelo eminente botânico português, recentemente falecido, Professor Amaral Franco, como uma das mais belas árvores do nosso património, do louro-da-terra que agora empresta aos campos um aroma suave da intensa floração, ou mesmo do azevinho-bravo (símbolo de abundancia, estilizado nos arranjos de Natal com as suas bagas vermelhas) que, devidamente conduzidos, se tornam de grande beleza e dão caracter endémico á paisagem com os seus verdes escuros e folhagem persistente.
 
Eduardo Dias
Departamento de Ciências Agrárias
Universidade dos Açores

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